A Psicanálise de Os Três Porquinhos | Princípio do Prazer e de Realidade nos Conto de Fadas | Fantástica Cultural

Artigo A Psicanálise de Os Três Porquinhos | Princípio do Prazer e de Realidade nos Conto de Fadas

A Psicanálise de Os Três Porquinhos | Princípio do Prazer e de Realidade nos Conto de Fadas

Autores Selecionados ⋅ 26 ago. 2022
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Um olhar psicanalítico sobre o conto de fadas Os Três Porquinhos e a fábula A Cigarra e a Formiga.

Trecho de A psicanálise dos contos de fadas,
de Bruno Bettelheim.

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Estórias como Os três porquinhos são muito apreciadas pelas crianças acima de todos os contos "realistas", particularmente se são apresentadas com sentimento pelo contador da estória. As crianças ficam fascinadas quando o bufar do lobo na porta do porquinho é representado para elas. Os três porquinhos ensinam à criança pequenina, da forma mais deliciosa e dramática, que não devemos ser preguiçosos e levar as coisas na flauta, porque se o fizermos poderemos perecer. Um planejamento e previsão inteligentes combinados a um trabalho árduo nos fará vitoriosos até mesmo sobre nosso inimigo mais feroz — o lobo! A estória também mostra as vantagens de crescer, dado que o terceiro e mais sábio dos porquinhos é normalmente retratado como o maior e o mais velho.

As casas que os três porquinhos constroem são simbólicas do progresso do homem na história: de uma choça desajeitada para uma casa de madeira, O conto de fadas, em contraste, deixa todas as decisões a nossa encargo, incluindo a opção de querermos ou não chegar a decisões. Cabe-nos decidir finalmente para uma casa de tijolos. Internamente, as ações dos porquinhos mostram o progresso da personalidade dominada pelo id para a personalidade influenciada pelo superego, mas essencialmente controlada pelo ego.

O menor dos porquinhos constrói sua casa com o menor dos cuidados — de palha; o segundo usa paus; ambos dispõem seus abrigos tão rapidamente e sem esforço quanto podem, de modo a poder brincar o resto do dia. Vivendo de acordo com o princípio do prazer, os porquinhos mais novos buscam gratificação imediata, sem pensar no futuro e nos perigos da realidade, embora o porquinho do meio mostre algum amadurecimento ao tenta: construir uma casa um pouco mais substancial do que o mais novo.

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Só o terceiro e mais velho dos porquinhos aprendeu a viver de acordo com o princípio da realidade: ele é capaz de adiar seu desejo de brincar, e de acordo com sua habilidade de prever o que pode acontecer no futuro. É até mesmo capaz de predizer corretamente o comportamento do lobo — o inimigo, ou estrangeiro de dentro, que o tenta seduzir e fazer cair na armadilha; e por conseguinte o terceiro porquinho é capaz de derrotar os poderes mais fortes e mais ferozes que ele.

O lobo feroz e destrutivo representa todos os poderes não sociais, inconscientes e devoradores, contra os quais a gente deve aprender a se proteger, e se pode derrotar através da força do próprio ego.

Os três porquinhos impressiona muito mais as crianças do que a fábula paralela mas manifestamente moralista de Esopo, A cigarra e a formiga. A estória dos três porquinhos sugere uma transformação na qual muito do prazer é retido, porque agora a satisfação é buscada com verdadeiro respeito pelas exigências da realidade. Nesta fábula a cigarra, morrendo de fome no inverno, implora à formiga que lhe dê um pouco da comida que acumulou arduamente durante o verão. A formiga pergunta o que a cigarra esteve fazendo durante o verão. Ao saber que a cigarra cantava e não trabalhava, a formiga rejeita seu pedido dizendo: "Como você pôde cantar todo o verão, pode dançar todo o inverno".

Esse final é típico das fábulas, que são também contos populares transmitidos de geração a geração.

Uma fábula parece ser, no seu esta: genuíno, uma narrativa na qual seres irracionais, e algumas vezes inanimados, com a finalidade de dar instrução moral, simulam agir e falar com interesses e paixões humanas. — Samuel Johnson

Muitas vezes santimonial, algumas vezes divertidas, a fábula sempre afirma explicitamente uma verdade moral não há significado oculto, nada é deixado à nossa imaginação.

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O conto de fadas, em contraste, deixa todas as decisões a nossa encargo, incluindo a opção de querermos ou não chegar a decisões. Cabe-nos decidir se desejamos fazer qualquer aplicação à nossa vida a partir de um conto de fadas, ou simplesmente apreciar as situações fantásticas de que ele fala. Nosso prazer é o que nos induz a reagir segundo o tempo que estamos vivendo aos significados ocultos, na medida em que podem-se relacionar à nossa experiência de vida e atual estado de desenvolvimento pessoal.

Uma comparação de Os três porquinhos com A cigarra e a formiga acentua a diferença entre um conto de fadas e uma fábula. A cigarra, à semelhança dos porquinhos e da própria criança, está inclinada a brincar, com pouca preocupação pelo futuro. Os três porquinhos representam estágios no desenvolvimento do homem. Em ambas as estórias a criança identifica-se com os animais (embora só um pedante hipócrita possa identificar-se com a formiga sórdida, e só uma criança mentalmente doente com o lobo); mas depois de ter-se identificado com a cigarra, não sobra esperança para a criança, de acordo com a fábula. Para a cigarra dominada pelo princípio do prazer, não há o que esperar a não ser a condenação: é uma situação do tipo "ou/ou", onde tendo feito uma escolha uma vez, estabelecem-se as coisas para sempre.

Mas a identificação com os porquinhos do conto de fadas ensina que há desenvolvimentos — possibilidades de progresso do princípio do prazer para o princípio da realidade, o que, afinal de contas, não é senão uma modificação do primeiro.

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A estória dos três porquinhos sugere uma transformação na qual muito do prazer é retido, porque agora a satisfação é buscada com verdadeiro respeito pelas exigências da realidade. O terceiro porquinho, esperto e brincalhão, vence o lobo em astúcia várias vezes: primeiro, quando o lobo tenta três vezes atrair o porquinho para fora da segurança do lar apelando para sua voracidade oral, propondo expedições onde os dois conseguiriam uma comida deliciosa. O lobo procura tentar o porquinho com nabos que podem ser roubados, depois com maçãs e finalmente com uma visita a uma feira.

Só depois que estes esforços malogram é que o lobo se move para a matança. Mas ele tem que entrar na casa do porquinho para pegá-lo, e uma vez mais o porquinho vence, pois o lobo cai pela chaminé dentro da água fervendo e termina como carne cozida para o porquinho. Uma justiça retribuidora é feita: o lobo que devorou os outros dois porquinhos, e desejava devorar o terceiro, termina como carne para o porquinho.

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A criança, que através da estória foi convidada a identificar-se com um de seus protagonistas, não só recebe esperança, mas também lhe é dito que através do desenvolvimento de sua inteligência ela pode sair-se vitoriosa mesmo sobre um oponente muito mais forte.

De acordo com o primitivo senso de justiça (e o da criança), só aqueles que fizeram algo realmente mau são destruídos. A fábula parece ensinar que é errado apreciar a vida. Ainda pior, a formiga nesta fábula é um animal sórdido, sem nenhuma compaixão pelo sofrimento da cigarra — e é esta figura que se pede à criança que tome como exemplo.

O lobo, ao contrário, é obviamente um animal malvado, porque deseja destruir. A maldade do lobo é alguma coisa que a criancinha reconhece dentro de si: seu desejo de devorar e a consequência: sua ansiedade de sofrer possivelmente, ela mesma, um tal destino. Assim o lobo é uma externalização, uma projeção da maldade da criança — e a estória conta como se pode lidar com ela construtivamente.

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As várias excursões nas quais o mais velho dos porquinhos consegue comida por bons meios são facilmente negligenciadas, mas são partes significativas da estória porque mostram que há um mundo de diferenças entre comer e devorar. A criança subconscientemente entende-o como a diferença entre o princípio do prazer descontrolado, quando alguém deseja devorar tudo imediatamente, ignorando as consequências, e o princípio da realidade, de acordo com o qual uma pessoa sai inteligentemente buscando comida.

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O porquinho maduro consegue a tempo trazer as provisões para casa antes que o lobo apareça em cena. Que melhor demonstração do valor de atuar na base do princípio da realidade, e em que isto consiste, do que o fato do porquinho se levantar bem cedinho de manhã para assegurar a comida deliciosa, e, ao fazê-lo, burlar as malvadas intenções do lobo?

Nos contos de fadas é tipicamente a criança mais jovem que, embora de início menosprezada ou escarnecida, torna-se vitoriosa no final. Os três porquinhos desvia-se deste padrão, pois é o mais velho dos porquinhos quem é sempre superior aos outros dois.

Uma explicação pode ser encontrada no fato de que todos os três porquinhos são "pequenos", e portanto imaturos, como a própria criança. A criança, por sua vez, se identifica com cada um deles e reconhece a progressão de identidade. Os três porquinhos é um conto de fadas devido a seu final feliz, e porque o lobo recebe o que merece.

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Enquanto o senso de justiça da criança é ofendido pela pobre cigarra tendo que morrer de fome embora não tenha feito nada de errado, seu sentimento de equidade é satisfeito pela punição do lobo. Como os três porquinhos representam estágios no desenvolvimento do homem, o desaparecimento dos primeiros dois porquinhos não é traumático; a criança compreende inconscientemente que temos que nos desprender de formas primárias de existência se quisermos passar para outras mais elevadas.

Falando com criancinhas sobre Os três porquinhos, encontramos apenas regozijo pela merecida punição do lobo e a esperta vitória do mais velho dos porquinhos — e não pesar pela sorte dos dois menores. Mesmo uma criancinha parece compreender que todos os três são na realidade um único e mesmo em diferentes estágios — o que é sugerido pelo fato de responderem ao lobo exatamente com as mesmas palavras: "Não, não, não pelos pelos de minha bar-bar-ba!"

Os três porquinhos dirige o pensamento da criança sobre seu próprio desenvolvimento sem nunca dizer o que deveria ser, permitindo à criança extrair suas próprias conclusões. Este processo sozinho provê um verdadeiro amadurecimento, enquanto dizer para a criança o que fazer apenas substitui a servidão de sua própria imaturidade pelo cativeiro da servidão aos ditames dos adultos.

lobo

Fonte:

Trecho de: BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz & Terra, 2009.

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