
Um dia desses, deparei-me com um livro chamado A Pornografia, de Witold Gombrowicz, nada mais do que um livro velho em meio a outros livros velhos. A estranheza do título chamou-me a atenção: que tipo de escritor teria a audácia de pôr tal nome em sua obra?
Das duas, uma: ou se tratava de um daqueles romances eróticos para mulheres, de qualidade literária mensurável apenas via microscópio, ou consistia em uma criação original e bastante peculiar. Como meu palpite residia nesta segunda possibilidade, resolvi espiar o texto antes de colocá-lo à venda (pois, na época, eu era livreiro). Minha surpresa foi tal que, afinal de contas, recrutei o exemplar para minha estante pessoal.
Do início ao fim, o livro me prendeu por sua estranheza: não havia nele qualquer traço da pornografia como as pessoas a entendem. Havia, no entanto, uma outra pornografia, muito mais realista, sincera, desconfortavelmente provocante.

O argumento da obra é inusitado: o protagonista e seu amigo de poucas palavras, ambos homens de idade avançada, enxergam na relação infantilizada de um casal de jovens a forma mais intensa de sua própria satisfação erótica. Não há qualquer envolvimento entre os dois amigos, nem tampouco entre eles e o casal; e, até o final da obra, não ocorre nada de verdadeiramente sexual entre os dois jovens. Tudo o que há, afinal, é o desejo perpétuo e irrealizável, a imaginação provocadora e insaciável, um sentimento quase incontrolável de perversão. Poderia haver algo mais essencialmente pornográfico? Em tal contexto, um ato sexual concreto viria a pôr fim a essa pornografia.
Quando li a crítica de Bernardo Scartezini (Correio Braziliense, fonte on-line atualmente indisponível), para quem "não há nada de essencialmente pornográfico em A Pornografia", percebi que nossas opiniões não poderiam ser mais contrárias. Pois a pornografia não está no sexo, e sim no desejo, na expectativa, na fantasia.
Para além do enredo, que eu apontaria como atípico, surpreendeu-me também o estilo literário, algo de uma franqueza envolvente. As imagens usadas pelo autor em suas descrições, assim como o seu ritmo narrativo, convidam o leitor a ver o mundo narrado de uma maneira estranhamente realista, íntima demais. Alguns escritores têm o talento quase mágico de transmitir, através de palavras, a sensação de se ser outra pessoa, de se viver outra época, em outro lugar ou em outra realidade. Gombrowicz é um deles.
E isso é realmente impressionante porque, em A Pornografia, passamos a ver o mundo através dos olhos de um velho polonês tarado e seu amigo de igual propensão. Visto de outros ângulos, os dois personagens nos parecem cômicos ou, pior, ridículos. Ambos, devido à idade, sentem-se incapazes de participar ativamente do ato sexual cujo desejo, de qualquer forma, ainda os atormenta. Passam, assim, ao voyeurismo. Ou mais do que isso: com suas palavras, suas autoridades, começam a manipular o casal de jovens, para que façam o que eles desejam.
O protagonista, que traz o mesmo nome do autor, Witold, nutre verdadeira obsessão pela juventude. Escreve:
Depois dos 30 anos, o ser humano penetra na monstruosidade. A beleza esteve naquele outro lado - o jovem.
Muitas das opiniões do personagem, nós sabemos, são também as do escritor, e seu caráter é áspero e pessimista. Percebemos seu ressentimento com o ser humano, justificável tendo em vista as agruras passadas pelo autor, exilado, e pela Polônia ao longo das Guerras.
A dureza das opiniões, contudo, dão textura e sinceridade ao texto. São, provavelmente, sua razão de existir.
