Religião e Ciência: É Possível Conciliá-las? | Fantástica Cultural

Artigo Religião e Ciência: É Possível Conciliá-las?

Religião e Ciência: É Possível Conciliá-las?

Por Paulo Nunes ⋅ 7 out. 2020
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Para muitos leigos (em religião ou ciência), essa rixa multimilenar pode parecer sem sentido: por que é tão difícil conciliar as duas? Se a religião versa sobre as coisas do espírito e a ciência sobre as coisas físicas, não seria possível utilizá-las de forma complementar?

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Se, até hoje, a religião e a ciência vivem em pé de guerra, não foi por falta de propostas bem-intencionadas. Para muitos leigos (em religião e em ciência), essa rixa multimilenar pode parecer injustificada, sem sentido: por que é tão difícil conciliar as duas? Se a religião versa sobre as coisas do espírito e a ciência sobre as coisas físicas, não seria possível utilizá-las de forma complementar?

A resposta é sim, por um lado. E não, por outro.

Na prática, religião e ciência sempre estiveram conciliadas, e sempre foram usadas de forma complementar. Não há religioso no mundo que não utilize alguma forma de lógica, tecnologia ou conhecimento elaborado pelas ciências, assim como até mesmo as pessoas mais céticas tendem a desenvolver alguma forma de espiritualidade. Para o ser humano, de forma geral, há horas em que se deve buscar respostas pela lógica e pelo empirismo, e horas em que se deve buscá-las pela intuição, pelo instinto e pelos sentimentos.

Assim, em nível individual, a religião e a ciência podem ser adotadas em perfeita harmonia. As contradições lógicas que surgem dessa conciliação podem passar completamente despercebidas pela pessoa, caso ela seja incapaz de percebê-las, ou caso se recuse a pensar a respeito.

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Esse tipo de conciliação, porém, é inviável quando falamos em instituições religiosas e científicas.

Para se constituírem e serem funcionais, as instituições (como as religiões ou os ramos da ciência) precisam estipular uma missão clara e suficientemente rígida, baseada em uma visão de mundo unificada. Cada instituição parte de uma espécie de filosofia, mais ou menos complexa. No caso da religião, temos os dogmas, os livros sagrados e uma narrativa histórica que compõem a cosmovisão de seus adeptos. Nas ciências, temos a filosofia, a epistemologia e os métodos de experimentação que dela derivam para a construção de conhecimento.

Além disso, deve-se notar a diferença de propósito e de escopo: a ciência está preocupada apenas com aquilo que é, enquanto a religião ocupa-se também com aquilo que deve ser. Isso porque a ciência é puramente descritiva, e assim como uma ferramenta, pretende ser neutra. O método científico, por exemplo, não afirma que devemos preservar o meio ambiente; ele apenas descreve o que poderá acontecer se não o fizerem. A partir das informações, os indivíduos decidem como irão agir.

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A religião, pelo contrário, ocupa-se fortemente com aspectos prescritivos: ela exige o seguimento de certo código moral de conduta.

Assim, para conciliar religião e ciência, seria preciso unir suas filosofias próprias de uma forma não contraditória (isto é, as premissas de uma filosofia não podem negar as premissas da outra). Mas isso parece impossível: o pilar-base da ciência está em direita oposição ao pilar-base da religião, e vice-versa.

O saber científico é inteiramente baseado em evidências, e o saber religioso é fundamentalmente dependente da fé (ou seja, na crença sem evidência). A menos que se anulem, essas duas filosofias são irreconciliáveis.

Uma religião que abandonasse a fé deixaria de ser religião. Tal instituição seria muito semelhante a um movimento político-ideológico: possuiria valores éticos específicos, senso de comunidade e acolhimento, tradições particulares, uma missão virtuosa, líderes inspiradores (vivos e mortos)... Mas essa instituição não seria uma religião, pois lhe faltaria o aspecto sobrenatural e divino. Todos os constituintes de uma religião (como os já citados: valores éticos, tradições, missão) derivam de alguma fé no sobrenatural, e usam essa fé como principal justificação. Sem os fenômenos e entidades extrafísicos, e sem a fé que os sustenta, as religiões desapareceriam.

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Por outro lado, uma ciência que abandonasse a exigência de evidências deixaria de ser uma ciência. Tal instituição passaria a compilar dados com base em outros critérios, como opinião, preferências pessoais, intuição, preconceitos, memória, etc. Assim, um médico poderia receitar medicamentos a pacientes de risco usando como critério uma visão que teve em sonhos, ao invés do histórico de efetividade do remédio. Um engenheiro poderia construir um prédio usando materiais e estruturas nunca testados, porque se sente confiante e otimista. Atitudes semelhantes são proibitivas quando relacionadas à ciência, devido ao número de falhas, acidentes e desastres que podem causar. A exigência de evidências está na base no método científico, e sem ela a ciência esvazia-se de sua função e efetividade.

Portanto, se a ciência aceitasse a fé religiosa como método válido de alcançar a verdade, ela deixaria de ser ciência. E se uma religião aceitasse o método científico como modelo preferível para alcançar a verdade, invalidaria a fé e, com ela, todos as crenças extrafísicas que a compõem (deuses, milagres, vida após a morte, etc.).

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A árvore da ciência do bem e do mal, proibida para a humanidade

E no que tange ao aspecto moral, também seria de total prejuízo à religião adotar o aspecto neutro das ciências: uma das funções sociais da religião é o estabelecimento de valores morais, guiando os fiéis em sua jornada de vida. Já a ciência não poderia vincular-se na promoção de qualquer código moral, pois ela depende da neutralidade: sua credibilidade e validade universais baseiam-se justamente na objetividade e na ausência de militância. É por isso que instituições científicas passam a ser vistas com desconfiança quando se envolvem com ativismo político ou com certos esquemas comerciais; assim como os milagres "comprovados" pelo Vaticano (e apenas pelo Vaticano), é de se esperar que qualquer entidade esteja mais interessada em servir a seus próprios interesses, em detrimento dos demais. O que diferencia a ciência, assim, é a transparência dos métodos, a replicabilidade dos estudos e a filosofia cética.

De qualquer forma, vale ressaltar que a ciência não nega a religião. Ela apenas rejeita a validade do método religioso para fazer afirmações sobre a realidade. Em outras palavras: as alegações religiosas a princípio podem ser verdadeiras ou não, mas o método usado pelos religiosos não é confiável. Assim, a ciência não teria como afirmar que as crenças religiosas, em geral, são necessariamente falsas; o método científico não tem nada a dizer sobre aquilo que não pode ser medido ou testado.

Então, se você aprecia a existência tanto da religião quanto da ciência, talvez seja boa coisa que elas não possam se mesclar em um único campo do saber. Afinal, são essas diferenças filosoficamente inconciliáveis que permitem a cada uma exercer sua função específica na sociedade.

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foto do autor

Paulo Nunes

Escritor, editor, ilustrador e pesquisador




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