O que a lua traz consigo - Conto de Horror de H. P. Lovecraft | Fantástica Cultural

Artigo O que a lua traz consigo - Conto de Horror de H. P. Lovecraft
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O que a lua traz consigo - Conto de Horror de H. P. Lovecraft

Autores Selecionados ⋅ 2 abr. 2024
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Era naquele local que toda a carne dos cemitérios convergia para o repasto dos vermes marinhos. E era sobre esses horrores que a maligna Lua agora pairava, muito baixa. Pressenti um novo calafrio, vindo de longe, como se minha carne tivesse padecido de um horror mesmo antes que meus olhos o vissem.

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Eu odeio a Lua — e a temo — porque, quando ela ilumina certas cenas familiares e queridas, às vezes as converte em coisas estranhas e repugnantes.

Foi no verão espectral que a Lua brilhou no velho jardim por onde eu vagava. Era o espectral verão de flores narcóticas e mares úmidos, de folhagens que evocam sonhos selvagens e multicoloridos. E, enquanto eu caminhava à beira do riacho raso e cristalino, vi estranhas ondulações pontilhadas de luz amarela, como se aquelas águas plácidas fossem arrastadas por correntes irresistíveis para estranhos oceanos que inexistentes neste mundo. Silenciosas e faiscantes, brilhantes e funestas, aquelas águas amaldiçoadas pela Lua corriam de encontro a um destino ignoto; e isto enquanto, nas margens onduladas, flores de lótus brancas flutuavam, uma a uma, ao vento opiáceo da noite, e caíam desesperadamente sobre o riacho, rodopiando, horrivelmente, sob o arco da ponte, e olhando para trás, com a resignação sinistra de rostos calmos e mortos.

E, enquanto eu corria ao longo da margem, esmagando flores adormecidas com pés desatentos, e cada vez mais ensandecido pelo medo de coisas desconhecidas e pela atração que as faces dos mortos exerciam, vi que, sob a Lua, o jardim não tinha fim: onde, durante o dia, erigiam-se muros, estendiam-se, agora, novas paisagens salpicadas de árvores e veredas, flores e arbustos, ídolos de pedra e pagodes, além das curvas do riacho amarelo e luminescente, que serpenteava entre as relvas marginais e sob grotescas pontes de mármore. E os lábios dos rostos de lótus mortos sussurraram tristemente, convidando-me a segui-los, mas não detive os meus passos até que o riacho se convolasse num rio e desaguasse, entre pântanos de juncos ondulantes e praias de areia resplandecente, na costa de um mar vasto e sem nome.

Era sobre aquele mar que refulgia a odiosa Lua, e sobre suas ondas silenciosas pairavam estranhos perfumes. E, enquanto via as faces dos lótus desaparecerem, eu ansiava por redes com as quais eu pudesse capturá-los, para com eles aprender os segredos que a Lua trazia sobre a noite. Mas, quando a Lua se deslocou, flutuando em direção ao Ocidente, e a calma maré recuou da costa soturna, vi, sob a luz, velhos pináculos que as ondas quase revelavam, e colunas brancas ornadas com grinaldas de algas verdes. Mas, sabendo que era para aquele antro que todos os mortos convergiam, estremeci e não mais quis falar com os rostos dos lótus.

Todavia, quando vi, ao longe, sobre o mar, um condor negro descer do firmamento para descansar sobre um grande recife, tive o ímpeto de interrogá-lo, indagando-lhe sobre os mortos que eu um dia houvera conhecido. Era o que eu lhe teria perguntado, se ele não estivesse tão longe; mas o condor estava deveras distante e nem mesmo eu pude vê-lo quando o pássaro se acercou daquele recife gigantesco.

Observei, então, a maré baixar sob aquela Lua — cuja luz minguava —, e vi brilharem os pináculos, as torres e os telhados daquela cidade morta e gotejante. E, enquanto eu observava aquela cena, as minhas narinas tentavam obstacular o repugnante olor que emanava do mundo; pois, em verdade, era naquele local — abandonado e esquecido — que toda a carne dos cemitérios convergia para o repasto dos túmidos e triturantes vermes marinhos.

Era sobre esses horrores que a maligna Lua, agora, pairava, muito baixa, mas os vermes túmidos do mar dela não precisavam para alimentar-se. E, enquanto observava as ondulações que insinuavam as contorções dos vermes lá embaixo, pressenti um novo calafrio, vindo de longe, do sítio onde o condor havia voado, como se minha carne tivesse padecido de um horror mesmo antes que meus olhos o vissem.

Tampouco minha carne estremeceu: quando ergui os olhos, vi que as águas haviam baixado significativamente, exibindo, agora, boa parte do vasto recife, cujos contornos eu avistara antes. E, quando percebi que este recife era apenas a coroa negra de basalto de um chocante ícone, cuja monstruosa fronte agora brilhava sob a penumbra da Lua, e cujos terríveis cascos deviam tocar aquela lama infernal milhas abaixo, eu gritei — e gritei! —, temendo que aquele rosto submerso se elevasse acima das águas, e que aqueles olhos ocultos me fitassem depois que a Lua amarela— maligna e traiçoeira — desaparecesse no firmamento.

E para escapar dessa coisa implacável, mergulhei — com alegria e sem hesitação — nas águas rasas e pútridas onde, entre as paredes cobertas de ervas daninhas e ruas submersas, gordos vermes marinhos se nutriam dos mortos do mundo.


Tradução de Paulo Soriano


Fonte:
Contos de Terror https://www.contosdeterror.site/2023/02/o-que-lua-traz-consigo-conto-classico.html

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