Talvez você ainda não tenha notado, mas a maior parte dos jornalistas odeia você. Sim, você mesmo: o cidadão comum.
Na televisão, com ar de importância, eles parecem desempenhar um papel social bastante nobre: levar conhecimento à população. O que seria do povo sem a cuidadosa seleção de fatos feita pelos jornalistas, ou sem suas sofisticadas técnicas de apuração e comunicação? O cidadão comum, como nos esclarece William Bonner, tem a inteligência de um Homer Simpson. E assim sendo, o jornalista deve entregar-lhe a notícia como papinha na boca de um bebê (e cuidar para que não faça sujeira).
Mas esse desprezo pelo homem médio, essa noção de superioridade, converteu-se em ódio nas últimas décadas, quando o cidadão comum passou a ter voz e influência por meio das redes sociais. A guerra cultural havia começado.
Hoje, várias agências de notícias estão em plena crise, e afundando. "A nossa vantagem jornalística", afirmavam Rita Siza e Kathleen Gomes, do The New York Times, "diminui à medida que os novos meios digitais expandem as suas redações". E esta fala é de 2014. O ex-diretor do jornal El País, ainda em 2012, tinha opinião semelhante: A batalha atualmente travada é ideológica, e está diretamente conectada com o desejo da mídia tradicional de controlar a narrativa e o fluxo de informações que chega ao público. "é um grande drama ... perdemos esse monopólio da intermediação [das informações]".1 Era só o começo.
O primeiro capítulo desse declínio, é claro, foi a popularização da internet, que condenou revistas e jornais impressos à iminente extinção, estreitando suas fontes de financiamento. Mas o golpe seguinte foi o pior: a ascensão das redes sociais. De repente, qualquer cidadão pôde exercer a função de jornalista, divulgando notícias em texto, fotos, áudios ou vídeos, e compartilhando suas opiniões com milhares de espectadores.
Nasce o arqui-inimigo do jornalismo mainstream: o cidadão comum.
Uma guerra suja pelo controle da narrativa
No front de guerra, as reviravoltas são arrasadoras.
Uma das maiores agências de notícia do mundo, a CNN, teve em 2021 uma abismosa queda de audiência de 90%. Enquanto isso, o comediante e ex-youtuber Joe Rogan tem alcançado 11 milhões de visualizações a cada Quando as vozes populares não progressistas passaram a conquistar espaço no discurso público, os progressistas passaram para o lado das elites e corporações, perdendo a simpatia pelas classes baixas que anteriormente alegavam defender. episódio de seu podcast no Spotify (13 vezes mais do que a CNN, que obtém menos de 1 milhão). Em suma, um único indivíduo, com seu carisma e pela dinâmica de suas entrevistas, superou todos os esforços multimilionários de uma corporação como a CNN, apresentando o podcast mais assistido do mundo.
O ódio dos jornalistas está começando a fazer sentido?
O conflito, porém, não é apenas por público e dinheiro. Não se trata apenas de competição de mercado. A batalha atualmente travada é ideológica, e está diretamente conectada com o desejo da mídia tradicional de controlar a narrativa e o fluxo de informações que chega ao público.
E ainda que a ideologia preponderante nas agências de notícias, e entre os intelectuais em geral, seja o progressismo (quando não o marxismo), as críticas ao caráter manipulador do jornalismo foram várias vezes elaboradas por pensadores da própria esquerda, como Stuart Hall, teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano:
[Os jornalistas] ajudam a reproduzir e a manter as definições da situação que favorecem os poderosos, não só recrutando ativamente os poderosos nas etapas iniciais onde os tópicos são estruturados ... mas favorecendo certas formas de expor tópicos e mantendo certas áreas estratégicas de silêncio.2
A tese de Hall, desenvolvida com outros colegas de pesquisa, é que o jornalismo mainstream desempenha um papel importante "na reprodução ... das ideologias dominantes" (isto é, as ideologias das elites).
A ação conjunta do jornalismo e das elites, ainda segundo Hall e colegas, garantiria uma legitimação mútua: enquanto o jornalista muitas vezes baseia a credibilidade de suas informações na oficialidade das fontes (isto é, citando as instituições hegemônicas, como o governo, a Organização Mundial da Saúde, a União das Nações Unidas, etc.), estas mesmas fontes têm sua narrativa fortalecida pelo jornalismo, pela replicação da narrativa. Em termos populares, uma mão lava a outra.
Por essa razão, os jornalistas buscam manter um monopólio do conhecimento social, elegendo a si mesmos como fontes primárias de informações, modelando as narrativas, crenças e valores de uma sociedade.2 Mais do que coletar, apurar e transmitir fatos à sociedade, os jornalistas encarregam-se de atribuir significados aos eventos, incluindo significados morais e prescrições de comportamento. O poder de manipulação é evidente, como coloca Felipe Moura de Oliveira, pesquisador na área de comunicação:
Trata-se do campo [jornalismo] ao qual se atribui a prerrogativa para a definição dos temas que merecem atenção no presente ... Ao exercê-la, confere sentidos aos acontecimentos que são amplamente replicados, levando a sociedade a ações concretas. ... Sendo os jornais empresas de comunicação no sistema capitalista, até mesmo protagonistas, a ação da categoria do neoliberalismo como ambiente semiótico é inevitável.3
Esse ceticismo com relação às agências de jornalismo está plenamente de acordo com um viés de esquerda, em especial o marxista, que entende as elites e corporações como opressoras. No entanto, em questão de poucos anos o tabuleiro político virou: os progressistas passaram para o lado das elites e corporações, perdendo a simpatia pelas classes baixas que anteriormente alegavam defender.
Assim, enquanto os ideólogos da extrema esquerda assumem o controle das agências de mídia (assim como as plataformas do Vale do Silício, como Google, YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, etc., e, é claro, Hollywood), a própria internet dá voz a milhares de cidadãos comuns cujas opiniões são indesejadas pelas elites e, por consequência, pela agenda progressista. E quando o cidadão é censurado e tenta migrar para outra plataforma onde possa se expressar livremente, como o Telegram, o próprio Tribunal Superior Eleitoral ameaça banir o recurso em território nacional, com a irônica acusação de "ameaçar a democracia".
Quando as vozes populares não progressistas passaram a conquistar espaço no discurso público e obter conquistas políticos, principalmente por meio das redes sociais (como ocorreu nas eleições de 2016 nos Estados Unidos e nas de 2018 no Brasil), o establishment entrou em alerta vermelho. A voz popular deve ser progressista, ou deve ser calada.
As agências de jornalismo, em resposta, lançam mão de um arsenal de táticas de supressão e contranarrativa: acusações, difamações e censura.
Acusações: Fake News, Desinformação, Teorias da Conspiração
Você já as conhece: são aqueles termos-chave para rechaçar sumariamente fatos e opiniões que não estejam alinhados com a narrativa oficial.
À conveniência do repórter, informações e ideias indesejadas podem ser a qualquer momento classificadas como fake news, Se toda fonte de informações falsas fosse condenada a fechar as portas, não restaria nenhuma agência de notícias no mundo. desinformação ou teoria da conspiração. A legitimidade da agência, com seu histórico corporativo, lhe proporcionará credibilidade.
Essas acusações, é claro, imputam um estigma imediato sobre mensagem-alvo, e também sobre pessoa que a expressa. A estratégia é conectar o discurso indesejado a uma emoção negativa, sinalizando para todos os espectadores que eles também serão ridicularizados se ousarem cogitar que o discurso seja legítimo.
A tática é espúria: antes mesmo de ouvir a mensagem, o espectador já está condicionado a ter uma opinião negativa a respeito, ao assimilar a conotação pejorativa que foi elaborada pelo veículo de mídia. Dessa forma, o indivíduo é treinado (como um cão do experimento de Pavlov) a rejeitar automaticamente o conteúdo das mensagens estigmatizadas, condicionado a não usar de pensamento crítico.
Se você alguma vez se perguntou o que se estuda em áreas universitárias como Publicidade e Propaganda, ou Comunicação Social, aí está sua resposta: estudam-se maneiras de manipular as massas, de alterar a percepção de eventos, instituições ou pessoas, por meio de metodologias sofisticadas de persuasão e construção de narrativas, e em benefício de quem estiver pagando estes profissionais. Essas técnicas têm sido desenvolvidas desde o século XIX, e algumas não são muito diferentes daquelas usadas na doutrinação da juventude hitlerista, dos movimentos fascistas/comunistas ou mesmo de cultos religiosos. E o jornalismo bebe diretamente dessas fontes.
Mas e quanto às notícias de fato mentirosas?
O fato é que se toda fonte de informações falsas fosse condenada a fechar as portas, não restaria nenhuma agência de notícias no mundo.
Uma agência de fact-checking e o jornalista e blogueiro Allan dos Santos têm exatamente os mesmos interesses: lucrar com seu negócio, beneficiar quem os financia (partidos políticos) e garantir que sua narrativa dos fatos seja aceita pelo seu público. Acreditar que a agência de fact-checking é neutra e comprometida com a verdade, alheia a incentivos políticos/financeiros e aos preconceitos dos jornalistas envolvidos (apenas porque ela se autodenomina "fact-cheking") é uma ingenuidade somente possível em quem realmente quer ser enganado.
E embora haja uma enxurrada constante de notícias falsas e informações incorretas sendo transmitidas pela internet, é absolutamente inadmissível que corporações ou Estados nomeiem a si mesmos os árbitros da verdade. Todos os agentes sociais são igualmente propensos a mentir ou a se enganar, pelo que a liberdade de expressão deve ser o primeiro pilar de uma sociedade livre. A única alternativa ao direito humano incondicional à expressão (e ao direito de ofender, inclusive) é uma marcha direta rumo ao abismo de uma distopia orwelliana.
Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir. — George Orwell
Note, ainda, que os principais defensores do controle das informações são aqueles que irão controlá-las (isto é, seus beneficiários diretos). Mínimo conhecimento histórico é necessário para saber que os maiores disseminadores de desinformação são as mídias tradicionais e os governos — em especial os autoritários, como salientam Stuart Hall e colegas:
Ao produzir a sua definição de realidade social, e o lugar do "cidadão comum" dentro dela, [as elites] constroem uma imagem particular de sociedade que representa interesses de classe específicos como os interesses de todos os membros da sociedade. Devido ao seu controle sobre os recursos materiais e mentais e o seu domínio das instituições principais da sociedade, as definições desta classe do mundo social oferecem a base racional para aquelas instituições [como o jornalismo] que protegem e reproduzem a sua "forma de viver".2
Várias "teorias da conspiração" que circulavam no início da pandemia de COVID-19, e que foram censuradas em várias plataformas e ridicularizadas por toda a mídia tradicional, vieram a ser comprovadas em questão de meses. Não haverá qualquer pedido de desculpas ou retratação; os erros grosseiros de julgamento e suas consequências sociais são empurrados para baixo do tapete, como se jamais tivessem acontecido. São estas mesmas instituições que querem definir o que você pensa, como você pensa e como você vive.
Difamações: Fascismo, Racismo, Supremacia Branca, etc.
Escolha uma palavra qualquer em inglês (car, dog, tree) e digite-a no Google como neste exemplo: Are dogs racist? ("Cachorros são racistas?"). Quase qualquer combinação que você inventar irá resultar em algum artigo tentando convencê-lo de que sim, tudo neste mundo é racista.
Assim, com criatividade e contorcionismo mental, qualquer indivíduo, instituição ou objeto pode ser associado ao racismo, ou a um dos seguintes termos do arsenal progressista: fascista, nazista, machista, sexista, misógino, homofóbico, transfóbico, xenofóbico, gordofóbico, ageísta, supremacista branco, reacionário, extremo-direitista, negacionista, antivacina, terraplanista, etc.
Aparentemente, não existem difamações ou xingamentos baixos o suficiente que não sejam empregados, vez ou outra, por jornalistas teoricamente profissionais. Trata-se da velha falácia ad hominem, em que se ataca a pessoa ao invés do argumento como tática para vencer um debate. Quanto menos inteligente for o espectador, mais fácil será convencê-lo por meio de um ad hominem. Em tese, jornalistas não devem usar pejorativos, mas eles dão um jeito: basta citar alguém que tenha proferido o xingamento, e o resultado acaba sendo o mesmo.
É desnecessário dizer que muitas pessoas podem, de forma precisa, ser classificadas pelos termos acima mencionados. A difamação ocorre quando o termo é usado incorretamente, causando dano moral à pessoa-alvo, e constituindo-se como fake news para o público em geral.
A prática tornou-se tão comum que, em 2019, o youtuber britânico Carl Benjamin cunhou o termo smear merchants ("comerciantes de difamação"), em resposta às alegações falsas dos jornalistas. E não apenas jornalistas, mas também a Wikipédia tem tido seus artigos radicalizados por ativistas progressistas, mantendo no ar verbetes difamatórios (fontes de desinformação), como apontou o cofundador do site, Larry Sanger: "a palavra para isso é propaganda".
Michel Roston, ex-editor de mídias sociais do The New York Times, entende que o jornalista é um tipo especial e iluminado de ser humano cujo acesso à verdade está acima do cidadão comum (não por meio de uma metodologia científica avançada, mas por meio de seu instinto altamente ideologizado):
Os jornalistas são mais capazes de contar a história como ela é ... Um manifestante pode estar dizendo parte da verdade, mesmo em seu favor. Mas suspeito que não está dizendo tudo.3
Censura: Cultura do Cancelamento, Banimentos e Prisão
Quando tudo mais falha, resta a censura.
Aqui, a ironia alcança níveis inimagináveis. Jornalistas, cujo alicerce profissional está na liberdade de expressão, têm clamado pelo retorno da censura (embora, desta vez, segundo suas preferências). Intelectuais que sempre lamentaram a repressão cultural durante a ditadura militar no Brasil agora aplaudem o silenciamento de pessoas com as quais não concordam. E a desculpa dada é a mesma que os militares usavam: "é Subitamente, esquerdistas que sempre criticaram a indústria farmacêutica, acusando-a de propositalmente gerar doenças na população para aumentar seus lucros com remédios, agora dançam como vedetes de corporações como a Pfizer e suas doses intermináveis de vacina, inclusive para população fora de risco. para a segurança da população, ou para não ofender algum grupo (ora os carolas, ora os progressistas)". Seus direitos estão sendo removidos para o seu bem.
Têm-se escutado políticos e acadêmicos afirmando: "até a liberdade de expressão tem um limite". E quem definirá esse limite, é claro, é quem estiver no controle, e conforme sua conveniência — incluindo quais punições serão aplicadas aos dissidentes.
Mas como esses fascistas enrustidos conseguem defender a censura ao mesmo tempo que professam ser progressistas e pró-democracia? Simples: basta classificar as falas, opiniões e fatos trazidos pelos oponentes políticos como discurso de ódio.
Não é incrível? O autoritarismo estatal, por exemplo, era considerado algo abominável pelos jornalistas até há dois anos. De repente, da noite para o dia, tornou-se popular aplaudir todo tipo de restrição aos direitos humanos (de ir e vir, de expressão, etc.), em nome da "ciência" (isto é, em nome de corporações, governos e outras instituições que afirmam estar alinhados com a ciência, para quem quiser acreditar).
Curiosamente, um dos intelectuais da esquerda reconheceu as medidas ditatoriais de imediato: Giorgio Agamben.
Como escreve Agamben em Il Manifesto, a reação ao coronavírus foi "uma confirmação do novo paradigma biopolítico totalitário". Na tradição de Foucault e Mbembe, cujo foco é a denúncia do controle do Estado sobre os corpos dos indivíduos, muitas vezes sob pretextos sanitários, Agamben entende a reação à pandemia como "imotivada" e "irracional": um Estado de exceção.
O filósofo não chegou a ser cancelado, mas sua opinião é extremamente impopular frente a seus pares, que se renderam de imediato a todas as imposições estatais. Subitamente, esquerdistas que sempre criticaram a indústria farmacêutica, acusando-a de propositalmente gerar doenças na população para aumentar seus lucros com remédios, agora dançam como vedetes de corporações como a Pfizer e suas doses intermináveis de vacina, inclusive para população fora de risco, fazendo propaganda de graça para essas empresas. Intelectuais absolutamente céticos em relação às intenções dos governos, de súbito, passaram a defender as medidas restritivas sem questionamento, aceitando qualquer alegação de "seguir a ciência" como honesta, bem-intencionada e inquestionável.
Não é impressionante o poder da propaganda jornalística, ainda hoje? Há quase duas décadas, o estudioso em comunicação Henry Jenkins já percebia o conflito entre os jornalistas e o público emergente:
A indústria midiática parecia em guerra com os consumidores, no sentido de tentar forçá-los a voltar a antigas relações e à obediência a normas sedimentadas.4
E se resta qualquer dúvida do que está ocorrendo, basta assistir à fala do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, demandando à plataforma Spotify que censure as entrevistas de Joe Rogan com Robert Malone, especialista em bioquímica e cocriador da tecnologia de mRNA.
Malone, apesar de defender o uso da vacina, acredita que em crianças os riscos da vacinação seriam maiores do que os benefícios (visto que toda vacina possui uma margem de efeitos colaterais, e que a população infantil quase não é afetada pelo coronavírus). Seu parecer é ecoado por milhares de médicos no mundo todo, assim como outros milhares discordam dele. Trata-se de um debate médico-científico. Que tipo de ciência pode ser feita quando o governo (e os jornalistas) buscam censurar a fala de especialistas, em um debate público, como se tivessem qualquer autoridade técnica para tal?
A distopia está bem próxima.
Pessoas são investigadas e presas em vários países do Ocidente por suas opiniões ou por afirmações que tenham feito. Alguns são disciplinados por acreditarem que mulheres possuem vagina (noção considerada como trasnfóbica em algumas universidades). Contas de usuários são banidas das redes sociais por postarem informações "falsas" que, meses depois, foram confirmadas e divulgadas em rede nacional. Indivíduos têm suas carreiras e vida pessoal arruinadas devido a um tweet — uma piada ou comentário para o qual não haverá perdão. O fervor do cancelamento é, inequivocamente, uma expressão moderna dos linchamentos, imitando-os em sua irracionalidade e crueldade.
E os jornalistas, atrás dos monitores, não estão apenas narrando este drama distópico. Eles fazem parte da orquestração.
Conclusões
Nem todos os jornalistas enquadram-se nesse cenário. É óbvio.
A tendência atual, porém, deixa pouco espaço para dissidências. As agências conhecem os preconceitos de seu público, e planejam seu conteúdo para nutrir esses preconceitos. Ao ter acesso a uma variedade de opiniões e interpretações dos fatos da realidade, o novo espectador ganha autonomia intelectual, e amadurece. Se os leitores odeiam Bolsonaro, ou Trump, ou Lula, ou Biden, aí está a fonte do lucro: matérias que reforcem as crenças e sentimentos já existentes.
Mas neste processo, as agências contratam ideólogos, indivíduos altamente politizados para algum lado do espectro político, radicalizados nas universidades e pelas redes sociais. Esses mesmos profissionais subirão para os cargos mais altos, e ditarão as regras das agências jornalísticas.
O resultado são corporações que operam como máquinas de propaganda, a serviço de ideologias cujo objetivo é transformar o modo de vida do cidadão e da sociedade (isto é, são revolucionárias) conforme o dogma, mas fazendo isso de forma subversiva, não explícita, e portanto sem o consentimento do público. E assim como a Globo é acusada de ter sido subsidiada pela ditadura militar para conformar suas notícias à conveniência do governo, o mesmo se espera de outras agências de jornalismo hoje, financiadas por partidos ou outras instituições. Elas são capazes de empregar qualquer artifício para conformar fatos reais em suas narrativas distorcidas sobre o que é bom ou ruim, o que é certo ou errado.
E quando o espectador, o cidadão comum, cansa de ser tratado como massa de manobra, e passa a buscar na internet outras fontes de informação, eis o pesadelo dos jornalistas de carreira: seu controle narrativa está se desfazendo.
Ao ter acesso a uma variedade de opiniões e interpretações dos fatos da realidade, o novo espectador ganha autonomia intelectual, e amadurece. Como consequência, afirma o pesquisador Felipe Oliveira, "a representação que o jornalismo faz dos acontecimentos é questionada, quando não refutada, e não raro pelos próprios personagens que os protagonizam".3
Nos Estados Unidos, a confiança do povo na mídia tradicional tem alcançado uma baixa recorde (apenas 46%):
56% dos americanos concordam com a afirmação de que jornalistas e repórteres estão propositalmente tentando enganar as pessoas dizendo coisas que eles sabem que são exageros falsos ou grosseiros. 58% pensam que a maioria das organizações de notícias está mais preocupada em apoiar uma ideologia ou posição política do que em informar o público.
E é por isso que boa parte dos jornalistas começou a odiar o cidadão comum, e a antagonizá-lo, reclamando seu "direito" de controlar o que é verdade na sociedade — mesmo que isso signifique difamações, mentiras e censura.
Pelo que tudo indica, a disputa está apenas no início. Mas tenha em mente: Qualquer jornalista que se oponha à liberdade de expressão, sob qualquer pretexto, e que apoie qualquer tipo de censura a fatos ou opiniões na esfera pública, é um traidor da profissão, e do público a quem deveria servir.
"Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade."
— George Orwell
Fontes:
1. LAFUENTE, G. A melhor maneira de fazer jornalismo é pela internet: entrevista com Gumersindo Lafuente - Parte 1. In: MAROCCO, B. O jornalista e a prática: entrevistas. São Leopoldo: Unisinos, 2012. p. 211-218.
2. HALL, S. et al. A produção social das notícias: o mugging nos media. In: TRAQUINA, N. Jornalismo: questões, teorias e estórias. Pontinha: Vegas, 1999.
3. OLIVEIRA, F.M. A semiose da notícia em ambiente de crise. 2016. Tese (Doutorado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016.
4. JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.