Mascarados pela Ideologia: Como esconder seu mau-caratismo com opiniões virtuosas | Fantástica Cultural

Artigo Mascarados pela Ideologia: Como esconder seu mau-caratismo com opiniões virtuosas

Mascarados pela Ideologia: Como esconder seu mau-caratismo com opiniões virtuosas

Por Paulo Nunes ⋅ 29 ago. 2020
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Não somos julgados pelo que fazemos, mas pelo que as pessoas pensam de nós. E nada como a superficialidade das redes sociais para fortalecermos nossa reputação de fachada, compensando nossas ações e desejos sombrios por meio de palavras bonitas, postagens virtuosas e ideologias aparentemente bem-intencionadas.

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Se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ver... será que ela caiu mesmo? Sim? Não? Dependendo de como você deseja usar a resposta, pode-se afirmar qualquer coisa. É claro que a realidade é uma só, mas no campo da psicologia e das relações humanas, muitas vezes o que vale são as verdades artificiais, as crenças úteis, que confortam o ego, propiciam vantagens pessoais e fortalecem os laços de uma comunidade.

Você talvez conheça esse fenômeno como a pós-verdade. Ironicamente, este próprio termo não é bem verdadeiro.

Pós-verdade parece sugerir que, em algum momento do passado, vivíamos em uma era em que a verdade era mais prevalente; dá-se a entender que a distorção e relativização dos fatos é algo novo. Entretanto, nunca houve uma era da verdade. Quando criamos personas idealizadas nas redes sociais, estamos apenas dando uma forma contemporânea ao instinto ancestral de sinalizar nosso valor para a comunidade (sendo autêntico ou fabricado). Desde o dia em que o ser humano aprendeu a falar, a mentira já estava à sua disposição. Se, hoje, temos a impressão de que há mais falsidades circulando, é por duas razões: o aumento vertiginoso dascomunicações e do acesso à informação, possibilitado pelo amplo acesso à internet; e a "democratização" das vozes participantes do diálogo público (também via internet), com diferentes agentes sociais expondo seus pontos de vista e avaliando criticamente os demais.

Assim, quando criamos personas idealizadas nas redes sociais, estamos apenas dando uma forma contemporânea ao instinto ancestral de sinalizar nosso valor para a comunidade (sendo autêntico ou fabricado). Durante quase 100% de nossa história como espécie, vivíamos a mercê da opinião de nossas tribos: se fôssemos rejeitados, seríamos abandonados e morreríamos de fome ou abatidos por tribos adversárias. Daí a propensão intensa do ser humano a conformar suas atitudes e valores com os do grupo, para manter uma boa reputação.

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Joana d´Arc, por Jules Bastien-Lepage

A percepção dos seres humanos, porém, é sempre falha: uma pessoa gentil e caridosa pode ser queimada na fogueira, pelo que pensam dela; e uma pessoa cruel e abusiva pode tornar-se um ídolo celebrado, também pelo que pensam dela. No fim das contas, não somos julgados pelo que fazemos, mas pelo que as pessoas pensam de nós. Em outras palavras, nossa reputação e destino são quase sempre determinados pela opinião falha e parcial de estranhos.

As pessoas instintivamente sabem disso. É por isso que vemos tantas postagens virtuosas em nossos feeds, sobre solidariedade, empatia, etc. Muitas soam positivas, mas apresentam uma visão enganosa da realidade. Na grande maioria, trata-se de mensagens vazias, platitudes e clichês incapazes de ajudar qualquer causa, exceto a da pessoa que posta:

"Eu sou a favor de coisas boas. Eu sou contra coisas ruins. Deixe um like."

Em muitas situações, essas sinalizações de virtude (virtue signaling) são exigidas pelo grupo como moeda de aceitação. Em cultos religiosos, por exemplo, Cada vez mais agressiva e abrangente, a cultura do cancelamento tem incentivado as pessoas a omitir suas opiniões sinceras e a negar sua visão particular da realidade, a fim de memorizar e repetir os slogans socialmente aceitos, engrossando algum dos lados da guerra cultural. esperam-se dos participantes gestos que reafirmem a crença por eles partilhada (neutralidade não é uma opção). Em regimes autoritários, como na União Soviética, China ou Cuba, manifestar opiniões positivas sobre o governo, suas ações e seus integrantes é uma exigência para garantir crédito social e evitar punições. Na Inquisição, uma das formas mais eficientes de provar que você não era uma bruxa era... acusando outras pessoas de serem bruxas. Nas universidades, em especial nas ciências humanas, o regurgitar de opiniões progressistas é quesito importante, ainda que não oficial, para a seleção de bolsistas, professores e outros funcionários (e posicionamentos não progressistas servem de barreira profissional). E cada vez mais na mídia e em outros tipos de companhias, tem-se selecionado indivíduos por suas "opiniões corretas", fator crucial no marketing progressista dessas empresas. Funcionários com "opiniões erradas" podem ser denunciados, publicamente linchados, demitidos e marcados na lista negra da internet.

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Adivinhe quem são os heróis

Já na sociedade como um todo, temos hoje uma polarização tão intensa que as "opiniões corretas" de um grupo são exatamente as "opiniões erradas" do outro, e vice-versa. Assim, cada vez mais agressiva e abrangente, a cultura do cancelamento tem incentivado as pessoas a omitir suas opiniões sinceras e a negar sua visão particular da realidade, a fim de memorizar e repetir os slogans socialmente aceitos, engrossando algum dos lados da guerra cultural. Das redes sociais, os linchamentos e ataques passam às ruas, como no caso da imagem acima (multidão de ativistas do Black Lives Matter tentando forçar uma mulher a repetir o gesto da "saudação comunista", em um restaurante em Washington D.C.).

E talvez o pior de tudo seja que, com a repetição ininterrupta e com o feedback positivo recebido, as pessoas tendem a acreditar que, de fato, sua sinalização de virtude reflete seu caráter.

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Em nenhuma situação vemos isso mais claro do que no caso das ideologias. Quase todo sistema de crença se autodefine como bom e moral. Quase todas as ideologias apontam a si mesmas como o caminho da verdade, julgando-se do lado certo da história. O cristão, o libertário, o socialista assim acreditam. Independentemente de essas crenças estarem corretas ou não, vemos em toda parte indivíduos praticando atos desonestos, intolerantes e cruéis, mas seguros de sua ética e virtude devido à ideologia que assinam.

A ideologia, porém, não é substituto para caráter. As ideias e opiniões de uma pessoa são absolutamente irrelevantes, se não se alinham com suas ações.

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"O Futuro é Feminino"

O termo para isso, é claro, é hipocrisia. Muitos gostam de apontar, por exemplo, os crimes cometidos por pessoas religiosas, homens de fé, cujo modo de vida é sustentado por sua reputação (falsa) de virtude. Talvez um dos casos mais extraordinários seja o da deputada Flordelis, que assassinou o próprio marido (antes seu filho adotivo), anos após ter sido celebrada como uma espécie de nova Madre Teresa em um filme sobre sua vida caridosa. A religião, porém, é apenas um dos cenários onde testemunhamos esse tipo de dissonância.

Nos últimos anos, temos visto cada vez mais casos escancarados dessa incoerência entre atos e crenças. O movimento antifa ("antifascistas"), por exemplo, acredita-se um dos bastiões contra o alastramento do fascismo; ainda assim, promove todas as principais medidas de um governo fascista, como implantação de um Estado forte intervencionista, violência à oposição, censura e intolerância à diversidade de opinião. Já o movimento Black Lives Matter (BLM), erguendo a bandeira do antirracismo, é ironicamente o grupo de ativismo político mais racista do Ocidente, promovendo segregação racial e direitos exclusivos baseados em raça, além de nomearem a branquitude como seu maior inimigo. E os exemplos não parariam por aí.

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Destruição causada pelo Black Lives Matter. Na placa: "Racismo não tem lugar aqui: nós apoiamos a comunidade Negra"

Em uma de suas aulas, o psicólogo e autor Jordan Peterson recomenda às pessoas que se perguntem: O que está por trás de minhas boas intenções? Ele dá o exemplo das mães superprotetoras que acabam prejudicando o desenvolvimento de seus filhos. Elas acabam interrompendo o aprendizado normal da criança por meio de seus cuidados excessivos: o desejo de cuidar do filho, aparentemente benigno, é a justificativa para o egoísmo da mãe, que não quer abrir mão de seu papel de controle e da dependência do filho em relação a si.

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Kyle Rittenhouse, 17 anos, tenta defender-se dos ativistas do Black Lives Matter

Se até o amor de mãe pode ser refúgio de vontades e decisões antiéticas, resta aconselhável que compartilhemos a suspeita de Peterson. Ninguém considera-se vilão de sua própria história e, para o psicólogo, é justamente sob as causas mais nobres que buscamos manifestar nosso lado mais sombrio, onde acreditamos que ele não será percebido. E quase sempre o fazemos sem perceber.

E é por isso que vemos defensores da paz e da justiça espancando estranhos nas ruas, incendiando casas, carros e lojas de bairro. É por isso que, como no filme O Poço, revolucionários que querem ajudar o povo faminto acabam assassinando muitos membros desse mesmo povo no processo, à semelhança das várias revoluções do século XX. É por isso que os defensores do politicamente correto são os que mais proferem injúrias na internet, ao se depararem com quem discorda de suas crenças. É por isso que, recentemente, verificou-se que a maior parte dos comentários racistas bloqueados pelo Facebook eram de pessoas negras, que acreditavam combater o racismo. É por isso que, por séculos e séculos, os cristãos cometeram todo tipo de barbaridade e selvageria, muitas vezes em nome de Deus. E é por isso que os defensores de todo regime totalitário consideram as violações de direitos humanos cometidas por sua ideologia justificáveis: as intenções, veja você, eram boas e nobres.

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Sua ideologia ou crença, afinal, não diz nada sobre o seu caráter. O que vale são suas ações, suas escolhas no mundo real. Dizer-se de esquerda ou de direita não o torna uma pessoa boa, nem ruim. Dizer-se cristão, socialista, espírita, libertário, anarquista, antifascista, liberal, ateu, antirracista, cidadão de bem, pró-LGBT+, pai de família, feminista, conversador... nada disso garante seu caráter.

São outros os fatores que apontam quem você é: como você age com sua família e amigos; como lida com quem discorda de você; como trata aqueles que estão à sua mercê; quanto sofrimento causa às pessoas; e quais atos concretos realiza para construir uma realidade melhor.

E se você ainda insiste em usar máscaras ideológicas, pelo menos se pergunte: o que escondo atrás delas?


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foto do autor

Paulo Nunes

Escritor, editor, ilustrador e pesquisador




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